terça-feira, 18 de novembro de 2008

Politicamente Incorreto

Meu melhor amigo da infância foi o Juju. Na realidade, seu nome era Luis Fernando. Juju foi um apelido carinhoso e terno que as crianças do bairro deram para ele. Juju, no caso, o personagem, era um desenho que fazia parte de um determinado vídeo game, que não me recordo qual era. Juju era um macaquinho simpático, "supimpa" e brincalhão. Luis, mesmo com esse apelido teoricamente desabonador, sempre levou muito bem essa brincadeira. Aliás, em alguns momentos, até mesmo imitava sons de macado e chacoalhava os braços para frente e para trás, obviamente entrando no jogo de uma forma saudável.

Além dele, eu era amigo do Nariga. O nome real do Nariga era Marcel Magalhães. Marcel era um cara fabuloso, gente finíssima, família muito bem constituída. Pessoas distintíssimas, incluindo o próprio. Sabiam de seu apelido, e brincavam junto ao seu aparente defeito. Não faltavam comentários sobre falta de ar no ambiente etc.

Nessa turma, ainda constava o caveira, o cabeção, o gordão, o orelhudo, o cegueta, o dente de coelho e mais alguns que não consigo me recordar ao certo. Fico pensando como seria a minha infância hoje, com todas essas historietas sobre como tratar o próximo, sempre de uma forma respeitosa, sem lhes atribuir apelidos, tal qual fazíamos à época.

Uma característica fundamental da criança, fato perceptível, é a criatividade. Creio, do fundo da alma, que a característica que mais nos encanta em uma criança é o fato dela não ter nenhum tipo de parâmetro em relação as coisas. A medida que falam, gritam, verbalizam, são doutrinadas imediatamente por pais, mestres, professores, educadores, motoristas de perua escolar, e toda sorte de seres muito bem intencionados.

O que temos, então? Uma doença crônica que atende pelo nome de politicamente correto. Não se pode mais apelidar ninguém de preto, quatro-olhos, ou seja lá o que for. Até cego possui uma alcunha mais carinhosa: deficiente visual. Os anões conquistaram no tapetão o direito de serem chamados de verticalmente prejudicados. E por aí segue.

Até que ponto esse tipo de limitação à criatividade é saudável para a sociedade, se apenas estimula preconceitos velados? Aqui pode haver uma carga enorme de projeção, mas, se querem saber, foda-se. Se todos fôssemos livres, leves e soltos, conviveríamos muito bem com os nossos defeitos e com os defeitos alheios.

Sempre que penso no assunto, me recordo daquele conto antigo do "rei nu", em que todos os adultos admiravam a "nova roupa" de sua majestade, que, no entanto, não possuía nada a lhe cobrir as vergonhas. Todos sabiam, no entanto, que o rei estava nu, mas ninguém ousou comentar o fato com os demais convivas do recinto. Foi necessário que uma criança gritasse "O REI ESTÁ NU!", para que todos iniciassem o burburinho e os comentários.

O exercício da inteligência passa, obrigatoriamente, pelo desenvolvimento do raciocínio, da lógica, da visão crítica, do sarcasmo, da ironia, do politicamente incorreto e do humor negro. Não deve haver amarras no desenvolvimento individual de cada ser, mesmo porque, quando somos confrontados com nossos medos, anseios e ansiedades, crescemos, não em um estalo, mas através de pequenas distensões diárias. Nos tornamos diferentes, críticos, argumentadores e persuasivos em um grau elevadíssimo.

A maior censura que existe, e, acho, a pior também, é a auto-censura, nascida do tolhimento constante daqueles que não possuem nenhum tipo de impulso criativo.

Com isso tudo, vos pergunto: Até quando vamos limitar o crescimento dos nossos pares?

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